Brasil, Uganda e Nigéria: A verdadeira face da selvageria
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Em Akwa Ibom, os africanos “selvagens”, agora “salvos pela religião”, tornaram-se seres capazes de ver, nos próprios filhos, monstros a serem destruídos. E de buscar fazê-lo, a todo custo
Tania Pacheco
A indicação do blog Religiões Afro Brasileiras e Política foi enviada por Renata (sem sobrenome). Nele, encontramos a matéria “A Rede Evangélica Record na reportagem tendenciosa contra povo africano“, postada por Oluandeji. Trata-se de uma notícia com toda a razão indignada, mostrando o vídeo que a ela deu origem, assim como outro, do The Observer, que de certa forma “complementa” o primeiro. Em lugar de republicá-la tal como foi postada por Oluandeji, opto por deixar acima o link para ela. E aproveito para acrescentar aqui a minha revolta, postando os dois vídeos mas, antes, fazendo algumas considerações que me parecem pertinentes.
O vídeo transmitido pela Rede Record e que foi, na verdade, a razão de ser da matéria do Religiões Afro Brasileiras e Política mostra o mais total desrespeito pela cultura, crenças e tradições de um povo. O que nós é mostrado de Uganda, num revoltante exemplo de manipulação midiática, merece sem dúvida diversos níveis de resposta. E entre elas incluo o que a meu ver deveria ser um pedido de desculpas oficial do governo brasileiro, por permitir que num meio de comunicação que é concessão do Estado sejam veiculadas informações que desrespeitam e denigrem esse país africano.
O uso repetido da palavra bruxos e bruxas para definir os praticantes de rituais e crenças diferenciadas das do Sr Edir Macedo e a forma como são manipuladas falas e imagens são inaceitáveis para qualquer pessoa que use sua inteligência para além dos “termos de referência” do que poderia ser uma versão atual da chamada Santa Inquisição. Mas o fato de a pseudo reportagem ser aberta e encerrada com a afirmação de que, em oposição ao progresso e crescimento da capital, Kampala, “acredita-se que debaixo de cada prédio … construído há a cabeça de uma criança”, poderia ser motivo para um incidente diplomático. Quanto à Record em si, ao programa que veiculou a informação, ao repórter e aos responsáveis pela edição da “notícia”, não há defesa da liberdade de expressão que os desculpe e reabilite.
Ao contrário do primeiro vídeo, entretanto, o segundo tem origem séria e internacionalmente respeitada: os ingleses The Guardian e The Observer. A reportagem foi feita em 2007 e em outro país africano, a Nigéria, mas mostra uma outra face da mesma questão. Tracy McVeigh revela, num texto correto e informativo e num vídeo curto mas elucidativo e sem apelações, os efeitos da chegada de determinadas igrejas evangélicas a alguns recantos do país, como Akwa Ibom: pais, parentes e vizinhos tentam matar, ferem ou simplesmente expulsam e abandonam crianças pequenas – e até um bebê – que foram diagnosticadas como bruxas. Diagnosticadas por pastores que se oferecem para exorcizá-las em troca de dinheiro e que esclarecem que, mesmo sendo elas destruídas ou expulsas, o feitiço continuará sobre seus pais até que eles, agora, sejam exorcizados.
As crianças são oferecidas à equipe britânica, para que as leve embora. Se tiverem sorte, serão acolhidas por Sam Ikpe-Itauma, um nigeriano que busca dar-lhe um lar e tratar de suas mazelas: pregos enfiados no crânio, deixando lesões irrecuperáveis; cegueiras provocadas por água fervente ou ácido; rostos e corpos deformados depois de molhados com gasolina e incendiados; tentativas de envenená-las e até de enterrá-las vivas. Sofrimentos diversos, impostos principalmente por mães e pais que não podiam pagar pelo “exorcismo”. Os africanos “selvagens”, agora “salvos pela religião”, tornaram-se seres capazes de ver, nos próprios filhos, monstros a serem destruídos. E de buscar fazê-lo, a todo custo.
São duas faces de uma mesma moeda sendo mostradas, com cinco anos de diferença, em dois países diversos, mas tendo ambas, como pano de fundo, o racismo, o desrespeito ao outro, a intolerância e, acima de tudo, a ganância capitalista nua e crua.
Abaixo, seguem os dois vídeos, sem necessidade de maiores comentários. E, ao final, o texto original da reportagem, do The Guardian/The Observer, em inglês. Logo após a abertura da matéria, há um link para 20 fotos, marcado em vermelho.
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